No documentário The Future is Unwritten, que retrata Joe Strummer, vocalista do Clash morto em 2002, o diretor Julian Temple mostra com clareza a maneira pela qual o punk britânico rompeu com o passado.
O diretor do documentário, que estreou recentemente nos Estados Unidos, é responsável também por The Filth and the Fury, de 2000, sobre os Sex Pistols, e concedeu uma entrevista ao La Vanguardia no festival Sundance deste ano. Veja a seguir:
Strummer parecia muito consciente da importância do estilo e da moda para promover a mudança. Deixou repentinamente de ser hippie. Mudou de nome e se tornou punk.
Sim, ele se chamava Woody, anteriormente. Joe se preocupava muito com estilo. Ele havia sido uma espécie de beatnik, e decidiu se transformar em punk. Deu-se conta de que era preciso atacar aquilo que tinha acontecido antes. Mas a verdade é que o estilo do Clash no começo era um pouco ridículo, com todos aqueles zíperes. O look dos Pistols era muito mais convincente.
Strummer afirma em seu filme que os punks eram stalinistas em sua rejeição a tudo que fosse diferente, o que causa choque a quem acredita que o punk era inimigo de todas as regras. Em 1976, ele abandonou seu grupo musical, os 101ers, todos os seus amigos hippies, até sua namorada. Era como se quisesse adotar um alter ego.
Até certo ponto, sim. Mas não era um alter ego cerebral, como o Ziggy Stardust de David Bowie. Joe sentia essas questões de maneira muito pessoal, elas brotavam de algum lugar profundo nele. Queria rechaçar tudo que existia antes e lançar-se a algo de novo, o punk.
O motivo era sua necessidade de outro veículo para transmitir sua mensagem política?
Acredito que sim. Joe sempre foi um sujeito politizado. A política era parte intrínseca dele. Ou seja, ele vivia essas mudanças de maneira coerente, autêntica. Não era simplesmente um caso de adotar outra maneira de se vestir. Ele pode ter sido hippie, mas se deu conta de que, para criar uma nova contracultura, seria necessário abandonar a anterior e começar do zero.
Strummer parece ter passado por uma mudança existencial em Granada...
Creio que, nos últimos anos do Clash, ele estava consciente de que tudo se havia convertido em uma pose pretensiosa, e que ele havia se tornado parte daquilo que um dia pretendeu destruir. Continuava insistindo em que o Clash estava protagonizando uma revolução no rock, mas não acreditava nisso. Fugiu a Granada em 1986 e passou seis meses morando lá. Joe se sentia muito conectado com o espírito da Espanha e com a guerra civil espanhola.
Por que Granada?
Ele havia descoberto a poesia de Lorca nos anos 70, quando vivia em um apartamento invadido em Londres, na companhia de alguns espanhóis e de sua namorada chilena. Era obcecado por Lorca, e quando foi a Granada tentou descobrir onde o poeta estava enterrado. Ele e seus colegas compraram pás e escavaram na área em que, acreditavam, ele tivesse sido enterrado. Joe ficou deprimido quando fracassaram.
No documentário, um amigo espanhol do músico conta que Strummer comentou, triste, que seu irmão não teria cometido suicídio caso tivesse conhecido Granada. O que ele queria dizer?
Lorca foi assassinado pelos fascistas, e o irmão de Joe se havia convertido ao movimento fascista britânico nos anos 70, pouco antes de se suicidar. Joe deve ter pensado que, se seu irmão tivesse visitado Granada, se tivesse sentido o que aquilo representava, jamais teria sido fascista e se suicidado.
Tradução: Paulo Eduardo Migliacci ME
La Vanguardia
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